Num jogo com mais caráter de festa do que qualquer outra coisa, a torcida pernambucana completou a lista de simpatizantes do Taiti neste domingo (23), na Arena Pernambuco, em jogo válido pela terceira rodada do grupo B da Copa das Confederações. Teve grito de olé, xingamentos ao juiz quando marcava contra e até vaia a gol uruguaio. Nem isso foi páreo para a abissal distância entre o futebol dos dois países. O time sul-americano goleou por 8x0 e confirmou o segundo lugar na chave. Com isso, enfrenta o Brasil numa das semifinais, prevista para quarta-feira, no Mineirão, em Belo Horizonte. O caçula da competição retribuiu o carinho ao final do jogo. Cada jogador pegou uma bandeira brasileira e foi para o meio do gramado. Nas mãos, um cartaz escito: "Obrigado Brasil". Foi nesse espírito de carinho e gratidão que encerrou-se o terceiro e último ato de Pernambuco no torneio. No meio do desfile de agradecimento, foi atirada uma bandeira do Sport, recolhida e mostrada pelos jogadores.
A torcida pernambucana, visivelmente menor neste do jogo que nos dois anteriores, olhava para o Taiti como aquelas mães cegas, quem veem no filho o retrato da perfeição. Cada jogada era um gol. Aos dez segundos, Vahirua tomou a bola de um adversário no meio de campo. Quem estivesse do lado de fora da arena juraria que alguém marcara um gol. Achou pouco? O time da Oceania conseguia trocar mais de dois passes. "Olé! Olé!"
E o pobre do Uruguai, tão amado há apenas uma semana quando teve pela frente a toda-poderosa Espanha, viu-se relegado a coadjuvante de um time semi-profissional. Abel Hernandez marcou o primeiro gol com apenas um minuto de bola rolando, após cobrança de escanteio pela direita. E quem se importava? Ninguém estava lá para ver resultado nem para saber se essa Celeste será páreo para o Brasil daqui a três dias.
A nova ordem brasileira - além de protestar pela melhoria nos serviços públicos -, nesses dias de competição internacional, é torcer pelo mais fraco. E ai de quem se atrevesse a ser do contra. Aos oito minutos, o árbitro português Pedro Proença cometeu esse pecado. E o recado que o público mandou não pode sequer ser reproduzido aqui. Felizmente, na cobrança, Lodeiro mandou em cima da barreira.
Aos quatro minutos, quase que o estádio vem abaixo. Calma que não há nenhum problema com as estruturas da Arena Pernambuco. É que Vahirua caiu pelo lado direito da grande área e chutou rasteiro para defesa de Martin Silva. Ainda houve uma segunda finalização. Esta, bem mais a cara do time de branco. Simon até que cortou bem seu marcador. Mas na hora do chute levantou mais grama do que bola.
Daí em diante, o que era esperado aconteceu, tanto dentro do gramado quanto na plateia. O Uruguai dominava a bola, tocava de um lado para o outro mas apresentava surpreendente dificuldade para entrar na área do Taiti. Aos 22, Hernandéz teve uma grande chance após o goleiro e Tehau tentarem cortar um cruzamento. Como ele passou da linha da bola só dava para mandar de calcanhar. Assim o fez, mas Meriel teve tempo para voltar e segurar a bola e ganhar mais uma chuva de aplausos. Um minuto depois, não teve jeito. O mesmo Hernandéz deu um lençol em Tehau e mandou para as redes.
Parecia que as forças dos taitianos estava chegando ao fim. Sem a preparação física adequada, já que quase ninguém vive de futebol, o poderio físico deles é flagrantemente menor. Algo como se um time de meninos de 12 anos estivessem enfrentando um time de adolescentes de 17. Os deslocamentos são mais lentos, a arrancada com a bola também. Isso sem falar na hora do contato físico. Assim, a Celeste chegou ao terceiro pouco depois, aos 26. Perez, livre, cabeceou na trave esquerda. O tempo de reação do Taiti é tão inferior a um time normal que o mesmo jogador teve a mesma liberdade para pegar o rebote e marcar o gol.
Mas parecia que os brancos é que haviam marcado. "Taiti! Taiti!" era o único som vindo das cadeiras. Somente após os 30 minutos é que os ânimos arrefeceram um pouco e Sport, Náutico e Santa Cruz tomaram de volta os corações de seus torcedores. E tome grito de guerra de um lado e de outro. E as óbvias vaias em réplica. O jogo já estava meio esquecido quando o Taiti voltou à carga depois de um tempão. Vahirua recebeu de fora da área mas a bola passou longe. Quer dizer, longe para quem tem que relatar o jogo. Para a torcida foram poucos centímetros de diferença. "UHHHHH!!!!!"
Esse alarido veio mais forte aos 40 minutos numa grande jogada individual de Chong Hue. Ele arrancou pela meia esquerda, driblou Gargano e chegou a passar pelo goleiro. Ainda tentou cruzar para o meio da área mas a linha de fundo bem que poderia dar um passo à frente e permitir a conclusão da jogada. Mas ela foi implacável. O campo acabou e Chong ficou com o gosto de quero mais na boca. Quem queria mais era Abel Hernandez. E ele conseguiu aos 45 ao receber na entrada da área. Avançou e tocou na saída de Meriel. O primeiro tempo acabou e parte da torcida gritou, durante a saída dos jogadores para os vestiários: "Ô Uruguai, pode esperar, a sua hora vai chegar!" Não se sabe se essa hora era o segundo tempo, quando Taiti partiria para uma insuspeitada reação ou o jogo contra o Brasil.
Veio o segundo tempo e aos três minutos Aguirregaray tentou um drible da vaca em Simon. O camisa 19 do Taiti, Simon, foi com o corpo, braços e mãos empurrando o uruguaio. O juiz marcou pênalti e ouviu outra série de impropérios, inclusive com ameaças à sua integridade física. Scotti foi para a cobrança e bateu fraco no canto direito. Meriel, por muito pouco não vai do céu ao inferno. Segurou a bola. Ela escapou por baixo do seu corpo e quase ultrapassa a linha fatal. Houve tempo hábil para ele voltar e segurar. A torcida gritava como se um gol acabasse de sair.
Deu-se início a mais uma onda de delírio coletivo na arena. Os pernambucanos encresparam-se. O Taiti também e partiu para o ataque. Scotti voltou da batida do pênalti e fez a falta, bem perto da área. Levou o amarelo e como era o segundo, partiu para o vestiário mais cedo. Nem é preciso descrever que, desta vez, o estádio foi abaixo. Detalhe que isso tudo aconteceu num espaço de apenas seis minutos. Não demorou muito para Ludivion incorrer no mesmo erro. Aos 13, fez falta e recebeu o amarelo. Como já fora advertido no primeiro tempo, saiu. Mas ao contrário do uruguaio, debaixo de uma enxurrada de aplausos.
Na sequência sa cobrança da falta, Gargano fez boa jogada pelo lado esquerdo da área e cruzou para o meio. Lodeiro e Hernandez apareceram sozinhos. Melhor para o primeiro, que mandou parar o gol vazio. Com mais espaço em campo, o time de melhor preparo físico levou ainda mais vantagem. E se contarmos com a inocência do adversário... Ela apareceu novamente num lance bem parecido ao do início do jogo. Aguirregaray fez nova jogada pela linha de fundo do lado direito e, assim como Ludivion, Chong Hue despencou desajeitadamente em cima do jogador sul-americano.
A penalidade foi indiscutível, apesar de o torcedor pernambucano discutí-la das cadeiras. Hernandez, o artilheiro da tarde/noite foi p ara a cobrança e mandou com categoria, no canto direito, daqueles pênaltis em que o goleiro não sai sequer na foto. Perdeu a conta? 6x0 para o Uruguai. O Taiti, num esforço supremo, conseguiu chutar sua primeira bola aos 26 minutos. Mas foi de longe e para longe que Caroine mandou. Aos 28, Chong Hue arrancou num contra-ataque e o restante da jogada diz muito sobre o futebol do Taiti. O chute saiu fraco, muito fácil para a defesa de Silva. O esforço foi tão grande que o jogador do Taiti foi ao chão, muito mais pelo esforço do que pelo encontrão com o marcador.
Porém, o momento mais engraçado não foi protagonizado pelo Taiti. Engraçado para não dizer bisonho. Aos 34, Suaréz cruzou da direita e Hernandez estava pronto para fazer seu quinto gol, já que estavam ele e o goleiro sozinhos. Porém suas pernas e a bola travaram um duelo incomum e ela sobrou limpa para Meriel. Se o companheiro não ajudou, Suárez resolveu fazer sozinho. Ele, que marcara apenas um gol, na derrota para a Espanha, partiu para cima do marcador e tocou rasteiro, no canto esquerdo. A torcida pernambucana perdeu a cabeça com tamanha humilhação. Sete era demais. Vaiou impiedosamente o camisa 9 celeste. Talvez cansada de tanto incentivar os taitianos, o público local tenha poupado Suárez na sua segunda festa. Aos 44, ele recebeu de Hernandez mandou no canto, completando o placar em 8x0.
Foto: Rodrigo Lôbo/ JC Imagem